29/04/22

Era um dia comum. Mas o que é um dia comum? Nunca é apenas um dia comum. Só vamos perceber se foi um dia simples ou extraordinário depois dele ter acabado.

Era um dia normal. Tudo acontecia na frequência adequada, calma. No meio da tarde uma reunião de pais na escola do filho. Escola nova do filho. Ele no sexto ano do ensino fundamental 2. Agora separados por ciclos, ele precisou sair da que ele já estava habituado. Escola em que eu estudei. Da primeira série ao terceiro ano do ensino médio. Todas as minhas lembranças escolares são dali. Ele com certa dificuldade de adaptação pelo combo escola nova/ amizades novas/ ciclo escolar novo/ pós dois anos de pandemia sem contato com pessoas fora da bolha/ introversão/ pré adolescência. Ufa! Se tivesse dado tudo certo, com certeza estaria tudo errado por baixo do pano. Aliás, isso é importantíssimo! Reconhecer que tem algo errado, algo que precisa de conserto, de ajustes, de reparo, de dedicação para poder fluir. Nisso de reconhecer as limitações, as particularidades de cada um, nossa geração, com fé, se encaminha para dar o acolhimento que tanto desejamos e não tivemos no passado. Cada colo que ofereço para minhas crianças, me rasgam por não ter tido colo também. Cada ferida que os ajudo a cuidar, me ferem por não ter tido ninguém enxergando as minhas. Cada dor deles, me dói em dobro por não curado as minhas e por não ter podido evitar as deles.

Era um dia percorrendo um caminho habitual. Abrindo o leque das infinitas possibilidades, singularidades, pluralidades, comecei observar também as belezas corriqueiras, cotidianas. Eu queria ter como fotografar as belezas que enxerguei no caminho. A parede cheia de trepadeiras, os homens trabalhando em uma obra para consertar um encanamento jorrando água no meio do concreto, as linhas bem desenhadas da lombada, a câmera de segurança redondinha de uma casa, o alinhamento do ponto de ônibus e uma fila de carros que seguia, o cone de trânsito, o telhado do conjunto de casinhas, as nuvens bem escuras encobrindo as nuvens claras, o horizonte de construções aleatórias e sincronizadas, o semblante terno do rapaz empinando pipa sozinho no meio da rua (o que será que estava passando na cabeça dele?). Por que será que fiquei sem jeito de oferecer ajuda para a moça que abria o portão com uma bebezinha no colo? Por que não vemos tantos detalhes no cotidiano? A vida é incomensurável!

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