28/04/22

Estava voltando dos Correios quando passei por uma calçada, com uma rampinha de elevação. Ali por baixo passa um córrego. Tem uma muretinha de proteção de cerca de 1m de altura. Era por esse caminho que eu passava para ir e voltar do prézinho quando eu tinha uns 5 ou 6 anos. Isso há 30 anos. Fazia tempo que eu não passava por ali. No momento em que meus pés subiram a mini rampa, voltei naquele tempo passado. Fechei os olhos, pude sentir. Sem hesitar, me aproximei do muro. Toquei com as mãos e o coração todinho. A vista nem é bonita. Nem o sentimento. Uns segundos de nostalgia boa. O resto da tarde com tristeza nos olhos. Eu quis muito me aproximar e sentir aquilo. Foi por impulso mas foi genuíno e verdadeiro. O que veio depois foi a lembrança amarga de como eram todas as vezes, todos os dias que passávamos por ali. Minha mãe sempre brigava. Eu e meu irmão tínhamos curiosidade, como toda criança (ou toda pessoa!?) normal. Era uma calçada diferente. Tinha cheiro diferente, textura diferente, altura diferente, largura diferente. Ela só gritava para prestar atenção, ir rápido, não olhar. Eu não conseguia entender. Precisava saber o que tinha ali, por que era assim, por que não podia olhar. Eu não podia sequer questionar. Ela tinha o hábito de dar tapa na minha boca. Com uma força absurda que só de lembrar, sinto o gosto de sangue misturado com minha saliva. O gosto que senti hoje, é aquele de quando a gente vomita e não tem mais nada para sair, só o azedume da bile. E os gritos na mente de “Sai dai”, “Se encostar ai vou te arrebentar”, “Se você se sujar vou esfregar a roupa na sua cara”. Não era por zelo, por cuidado. Não era mesmo! Aquela muretinha que outrora era gigante, hoje, hoje mesmo que permanecendo igual, parecia um rodapé. Mentalmente peguei eu criança no colo e me mostrei a vista. Me expliquei o que era um córrego. Me orientei para tomar cuidado. Me abracei e me pedi para silenciar os gritos (que até hoje ouço em vários momentos, em muitos momentos!) que não eram sobre mim. Eu não era a culpada. Eu não sou a culpada!

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