Pimenta

Eu sentei para almoçar. Quando preparei a primeira colherada, senti um cheiro muito forte de pimenta. Veio ardendo nas narinas e esquentou todo o rosto. Respirei fundo novamente e o gosto se alojou na minha garganta. Senti até adormecer a boca. Fechei os olhos e vi claramente o vidrinho de pimenta na mesa. Aquele que meu pai preparava com todo gosto, toda vontade e satisfação do mundo. Era uma coisa que ele amava e cultivava ferrenhamente. Vi ele preparando seu pratinho simples e robusto, sentando a mesa conosco e deleitando seu banquete singelo. 
Eu não gosto de pimenta. Eu não odeio pimenta. Eu fiquei feliz com as sensações que me corpo vivenciou sozinho, sem pimenta na mesa realmente. Sem meu pai ali. Sem meus filhos e minha mãe sentindo aquilo comigo. Aqueles que amamos nunca morrem! 
Lembrei desse poema e quero compartilhar: 
na hora de pôr a mesa, éramos cinco: 
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs 
e eu. depois, a minha irmã mais velha 
casou-se. depois, a minha irmã mais nova 
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje, 
na hora de pôr a mesa, somos cinco, 
menos a minha irmã mais velha que está 
na casa dela, menos a minha irmã mais 
nova que está na casa dela, menos o meu 
pai, menos a minha mãe viúva. cada um 
deles é um lugar vazio nesta mesa onde 
como sozinho. mas irão estar sempre aqui. 
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco. 
enquanto um de nós estiver vivo, seremos 
sempre cinco. 
José Luís Peixoto Em A Criança em Ruínas


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