Sobre passarinho e ninho vazio

5 anos. Se passaram 5 anos sem nenhum auxílio. Não 5 anos sem ajuda. 5 anos sem ser feita a sua parte. 

5 anos é muito tempo?

5 anos é pouco tempo?

O tempo é muito relativo!

Do ponto de que 5 anos de uma vida de 13, é quase 40% do total e considerando que o tempo realmente não volta e não se repõe, não se compensa… Penso que é uma pequena eternidade ai. 

Há alguns meses, eu finalmente decidi formalizar um pedido de pensão para minha filha.

Mas por que só agora?

Por que agora?

Voltando no tempo. 14 anos. 

Eu tinha 17 anos quando engravidei. Um relacionamento recente, 3 meses apenas. O cara é aquele que apenas some. Evapora. 

Meu namoro anterior era prisão, eu passarinho. Relacionamento abusivo. 3 anos. Voei. Cai. Me despedacei. 

Apriore foi um voo lindo. Rasante. Alegre. Colorido. Destemido. Do dia para noite, puff, acabou. 

Por que acabou? Não sei. Só sumiu. Parou de atender o telefone. Não foi mais onde nos víamos quase que diariamente. 

Atrasou. Menina sozinha. Só uma vez. Ah, isso nunca vai acontecer comigo. Continua atrasado. Liga, não atende. Liga, não atende. Liga, não atende…

Faz o que? O teste?

Porque aguentar um sim sozinha seria enfrentar a família e a sociedade e dar adeus ao seu sonhado futuro acadêmico, profissional, pessoal… Além de carregar um coração partido, um psicológico fragilizado e um emocional abalado. 

Lá fui eu, ao campo de batalha. Quisera ter podido ir destemida, mas fui aos trapos, como dava.

Não houve um só dia naqueles 9 meses em que eu não chorasse ao menos 5 litros. Passava o dia todo no piloto automático. Quando saia do trabalho, tinha uma igreja no caminho. Lá era meu refúgio. Sentava por horas lá para chorar em paz. As vezes ia no shopping, as vezes no parque. Em casa era mais dolorido. As pessoas não incomodam desconhecidos chorando na rua. Cada um com seus problemas. 

Um certo dia no metrô, era dia dos namorados, eu ali desidratando, no banco da frente um lindo casal, ela com um buquê maravilhoso de colombianas. O rapaz me notou. Na estação de desembarque deles, gentilmente me deu uma daquelas rosas. Desabei em dobro. 

Tive muita sorte. Muitas pessoas me ajudaram com as coisas práticas. Ganhei o jogo do quarto de bebê de uma vizinha. Muitas roupinhas usadas de várias pessoas. Fiz um chá no trabalho e um em casa. Fraldas para todo o primeiro ano. Minha mãe e meu irmão foram minha fortaleza.

Consegui o endereço do pai. Enviei uma carta. A mãe que abriu. E a partir dai me foi um anjo. A mãe e o pai. Queriam a todo custo fazer o filho deles embarcar. Mas o barco estava em alto mar. Mar agitado. Eu tinha 17. Ele 5 a mais. Mas era moleque. Como dizia, não estava pronto. E eu estava? E alguém está? 

Em tal ponto reatamos. Eu amava. Eu sofria. Eu pensava no bebê. Ele prometia arco íris. Eu quebrava a cara, e quebrava a cara, e quebrava a cara. Ele sempre foi muito bom em não cumprir com nada do que dizia. Um cordeiro. Jamais um lobo. 

Todas as consultas ele dizia que ia. Todos ultrasons. Inclusive naquele em que descobri o sexo. Estava sozinha. E escolhi o nome. E fui muito julgada por não ter deixado ele opinar dias e dias depois quando resolveu aparecer e dizer que não queria aquele nome. Mudei de ideia. Óbvio que não. 

Ele diz que meu maior defeito é só fazer o que me dá na telha.

Eu nem vejo como defeito.

Se tem alguém junto para opinar e ajudar decidir as coisas eu super levo em consideração.

Mas se estou sozinha com os limões na mão, faço a limonada e não aceito reclamações posteriores. 

E assim seguiu. Meio junto. Oficialmente. Mas na realidade… A vida dele seguiu. Nenhuma meia ou fralda, ou leite. 

Eu tinha meu trabalho. Meu salário mínimo fazia milagres. Mais ajudinha das avós. De desconhecidos. 

Era duro. Só que a bagunça financeira era nada comparada com a bagunça emocional. Essa era insana. 

No final da gestação continuava aquele meio junto. Aparecia quando queria, como se nada tivesse acontecendo. Ficava e sumia com a mesma velocidade.

Dias e dias sem aparecer. 

O dia de nascer chegou. O que eu fiz? Pedi ajuda a quem estava presente. E só deixei avisarem depois que nasceu. Deus me livre tentar ligar enquanto precisava e ele não atender como de costume. E fui crucificada mais uma vez, claro. Não deixei ele fazer parte desse momento. Pedi então para nos levar do hospital para casa. Ah, ele não foi. 

Bebezinha ele vinha em casa a cada vários dias, brincava de cuidar por algumas horas. Tirava fotos lindas. Nas madrugadas, nas cólicas, nas consultas médicas… Nada. Puerpério é enlouquecedor. Aprendi na prática tanta coisa que nunca nem tinha pensado que viveria um dia. E o emocional daquele jeito. Mas quem liga? Eu havia morrido, vivia meu luto sozinha. Me tornei mãe. Não era mais eu. Era mãe. Fui mãe. Sou mãe. Sou tudo que preciso ser. Meu eu não importa. Tudo pelo meu bebê. 

As pessoas palpitam demais. Ali com 18 anos eu continuava ser uma menina. Mas tive que incorporar e ser mãe. Aquele meio relacionamento me matava. Eu não podia pensar em mim. Tudo pelo bem estar da minha filha. Ela não tem culpa dos meus erros, ela nunca poderia ter sequer um arranhão por conta dos meus desastres. 

Precisava voltar ao trabalho. Trabalho de merda, mas que pagava as contas. Não pode deixar a criança tão dependente da mãe, vai sofrer na escolinha. 

Ali comecei sofrer com a separação, minha e dela. 

Um pouco antes dor por tirar o peito exclusivo. 

E dor por deixar com o tio. E com minha mãe. Pra ela ser “independente” e não sofrer querendo só a mim. 

Sofri com o primeiro dia na escolinha. E com todos os outros dias seguintes. A separação doi muito mais na mãe. Crianças se acostumam.

E o meio relacionamento seguiu. Um dia ok, dezenas de dias cadê? Chegou o primeiro aniversário. Nenhum vintém pra festinha também. A mãe dele super ajudou. Então acho que ele entendia que estava tudo em ordem. Vieram alguns parentes do lado de lá. Conhecia a maioria. Dias depois da festa, soube que uma das pessoas era a namorada dele. Foi impactante. Sim, nós nunca tínhamos oficializado aquela relação, então não precisava de um término, certo!?

Pois ai eu acordei e aceitei que eu precisava oficializar as coisas sim. Por os pontos nos is. Definir lugares e formalizar visitas. Fui julgada novamente por querer impor minhas vontades. 

A coisa mudou totalmente de figura. Surgiu um cãozinho arrependido e mudado. O mundo e fundos das promessas de um felizes para sempre reinava forte. 

Palpiteiros palpitantes. Esquece seu eu, seu amor próprio, sua dignidade. A criança precisa crescer em um lar com pai e mãe. 

Lá fui eu desbravar um campo minado com a cara e a coragem. E um caminhão de esperança e boa vontade nas costas. 

Foi sem sombra de dúvidas, o pior ano da minha vida. Mentiras, ausências, traições. 

Foi um bom momento para a inocente criança. Sem escolinha, era cuidada pela dedicada vó. Avó aquela que me acolhia nas centenas de vezes que eu precisava de colo. 

Em um momento de lucidez, recolhi minhas bagagens e voltei pedindo acolhida á minha família.

Sempre, sempre! Tomando todas as dores só para mim e camuflando minha princesinha de todo alvoroço da vida desenfreada. 

Ali ela com seus 3 aninhos, precisei formalizar um final de relacionamento. E enterrar a auto estima que já me estava morta ha muito tempo. 

Eu nunca pedi sequer um real. Precisava muito de dinheiro. É inevitável. Todos precisamos para sobreviver. Com um salário pequeno e com criança é tão óbvia a necessidade. Não deveria ter que se pedir. E o que mais precisávamos eram coisas que não podiam ser compradas.

Que também deveria ser gratuito.

Os pais acho que pressionavam ele colaborar financeiramente. Mas é aquilo, quanto e quando dava na telha. Uma cosquinha que sequer dava para comprar as fraldas do mês. E aliás, nem era todo mês. Nesse dia 5, no próximo dia 20, depois de mais dois meses, dia 20, pula mais um e então dia 5. Dai saia do emprego. Meses e meses e meses. 

As visitas quase sempre os pais que buscavam. O que para mim era um grande alívio. Sempre soube que com os avós estava muito bem segura e protegida. 

Eu tinha certeza que um dia ele iria abandonar de vez. Que se eu fingisse que ele não existia, livrava de dores de cabeça e um dia ele não existiria realmente.

Quanto menos contato, mais harmonioso o convívio. 

Anos se passaram. Tive outro relacionamento. Outros dois filhos. Precisei parar de trabalhar. 

A família do pai dela se mudou para outra cidade. Os avós continuaram com o contato. Vindo buscar nas férias. Ele só a via quando os pais dele pegavam. 

Dinheiro nada. 

Meu casamento acabou. Precisei novamente recolher minhas bagagens e voltar para casa da minha mãe. Sem renda. Sem rumo. Acumulando dois ex babacas. Três filhos. Uma vida dedicada a eles. Sem ter feito nada por mim. Sem saber quem sou. Recomeçando. 

Tive que apelar para a justiça dos homens, pedir um respaldo financeiro para poder seguir a vida. Certa vez eu li que quando se vai na justiça, se trata de decidir quem vai sair mais machucado. Ninguém sai ileso. E sim, foi um processo muito dolorido. 

Agora voltando ao início do texto, depois de nunca ter colaborado de forma rotineira, ele passou 5 anos sem nadinha. Nada mesmo. Nem uma satisfação. 

Seguiu a vida. Casou. Teve um filho. Está adquirindo formação acadêmica. 

Como não moramos na mesma cidade, precisei do endereço dele para abrir o processo. Um processo público, com a agilidade previsível dos órgãos desse país. Aguardei 3 meses para o primeiro atendimento, só para descobrir o longo caminho burocrático que viria a seguir. O chamei para conversar. Disse que iria formalizar um pedido de pensão. 

Adivinhem só. Quem é a vilã novamente!? 

Você quer destruir a minha vida. Você não vai me colocar na prisão. 

Foram algumas das barbáries que ouvi.

Nunca vou te dar meus dados para você ferrar a minha vida. Eu estudo direito, você não sabe nada de leis, vai meter os pés pelas mãos.

Apelando para o bom senso, fui falar com a mãe dele. Comecei pedindo desculpa por a envolver nesse episódio. Pedi para que ela compreendesse e somente dessa vez, a primeira vez na vida, ela não viesse pegar a neta, ate que eu conseguisse dialogar com o pai dela. Ressaltei que nossa casa sempre será de portas abertas aos avós. E pedi para que ela me informasse o endereço para abrir o processo. 

Sim. Negado! Sim eu não deveria pedir nada na justiça. Sim, mãos devidamente passadas na cabeça do pobrezinho. 

Depois de muitas tentativas, me comprometi aceitar o valor irrisório que ele disse que poderia dar, consegui os dados e formalizamos um valor ridículo em uma audiência conciliadora. 

Obviamente, esse dinheiro nunca foi para mim. Ia direto para mão dela. Comprar um lanche na escola. Um tênis. Parcelar um celular. Hoje ela tem 13 anos e carrega toda o clichê da adolescência. Toda a doçura daquela criança amorosa se transformou em raiva destinada à mãe que ela chama de general. Toda veneração destinada ao pai herói. Àquele homem que ela nem conheçe e que promete mar de rosas te fazendo acreditar em cada sedosa palavra proferida. 

Culpa minha obviamente. Que cai na mesma lábia um dia. Que a protegi enquanto pude em um casulo. Que não a deixei ver cada dificuldade diária. 

Deixando meu eu enterrado, sempre pensando somente no bem estar dos filhos, virei a capataz, a vilã, a megera. 

Tendo que lidar com a dependência da ajuda, fui convivendo com o colo de uma vó depois de a reprimir, com a carência da outra avó que sempre a incentivava a ‘fugir’ para lá quando estivesse difícil por aqui. Ela sempre soube que tinha para onde correr quando apertasse. E a realidade do dia a dia, o leão morto todo dia, o processo de aprendizagem, o dia a dia são muito cruéis. 

A maternagem solo é muito pesada. 

Os dedos apontados são muito duros. 

A ajuda é escassa. 

O reverso da maré é muito forte. 

A adolescência é muito difícil.

E ser mãe de adolescente é insano! 

Engraçado que na prática, nunca houve sequer um outro parente do lado de lá estendendo a mão.

Nunca ninguém se ofereceu para passar um fim de semana.

Nem comprar uma caixa de leite. 

Nenhum apoio emocional.

Uma conversa empoderadora.

Um conselho para ouvir a mãe. Para ser companheira da mãe. Para dar valor a quem sempre esteve ali enfrentando o mundo incondicionalmente. 

Depois que não deixei ir passar as férias na casa dos avós virei ainda mais a malvada da história.

Exigir o mínimo de organização, disciplina e auxilio nas tarefas da casa é o fim do mundo.

Proibir de sair a noite, sair sozinha, sair com desconhecidos, é similar a prisão perpétua.

Monitorar o uso do celular é violação dos direitos civis.

Proibir namoro e lidar com os planos de fugir de casa. 

Rebeldias, falta de respeito…

Nenhuma autoridade.

Nenhum apoio.

Nada.

A cada briga, o evidente desejo de ir morar com o pai. Aquele sujeito santo que sempre quis participar mas não pode porque a mãe chata nunca deixou.

Aquele que disse na audiência que sempre deu de tudo do bom e do melhor e que batalha duro para garantir o futuro kkkkkkkkkk Desculpe, perdi o foco. 

Voltando.

Por mais dolorido que seja, decidi deixa-la ir. Realmente precisava de um alivio para minha cabeça. Ela precisava ver que existe dia a dia do lado de lá também, que passar férias e morar tem algumas diferenças. Ela não vai ver tão cedo o lobo. Espero mesmo que só conheça o cordeirinho. Fico menos tensa porque sei que a vó que faz tudo por ela, está lá. E embora meu coração seja apenas tristeza, quando eu deito, consigo respirar sabendo que sempre fiz tudo por ela. 

Eu não sei se essa situação é definitiva. Eu espero que não. Eu peço e recebo ajuda divina. E que ela tenha uma vida doce e próspera sempre!

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