04/04/17

Ausências
Das tantas coisas que não consigo entender nessa vida, a que mais me aflige é em relação as crianças. 

Por mais que eu tente, não compreendo como pode alguém viver sabendo que tem alguém sofrendo e sendo o motivo de tamanha dor. 

Nós adultos muitas vezes não conseguimos lidar com nossas frustrações, quem dirá crianças. Elas tem tantas coisas para aprender, para administrar, muita informação, pouca experiência, muita coragem, quase nada de covardia.

Covardia sim é deixar que eles carreguem o peso de nossos fracassos. 

Eu estou diariamente me fazendo acreditar e aceitar que não posso mudar aquilo que não dependia só de mim. 

Nesse processo, tento enterrar minha indignação com certas coisas, como a falta de comunicação (apesar das minhas dezenas de tentativas em assuntos relevantes, a ausência de resposta, mensagens totalmente ignoradas, sequer um ok ou um não). Mas o ponto alto é a falta de interesse. Não sou capaz de admitir que a pessoa não se importe, não questione, não se sinta curioso em saber como vão seus filhos. Se tem dormido, se alimentado, se desenvolvido, se as vacinas estão em dia, se o pediatra é confiável, se tem o que vestir, com o que brincar, onde dormir… 

Como um pai pode perder essa fase maravilhosa de alfabetização? Um dos momentos mais gratificantes do meu dia é ver o caderno e acompanhar na lição de casa. Ver meu pequeno juntando letrinhas na propaganda da tv, e a felicidade em cada conquista. 

Como consegue não vibrar a cada frase completa que o caçula desenvolve a cada dia. Como não se surpreender com cada pequeno avanço em suas atividades rotineiras?

Como consegue se satisfazer com 24h a cada 15 dias!?

Como não tem necessidade de ouvir a voz e as tagarelices todo dia?

Como consegue não ter tempo a sós, sem terceiros, nessa doce relação de afeto paternal?

Como consegue não atender o telefone quando um deles liga?

Como vive sabendo que um está doente, sem ligar depois e depois e depois para saber se melhorou?

Como diz que vem buscar e não vem? Uma, duas, três vezes seguidas. 

Como pode viver sabendo que tem um coraçãozinho cheio de tristeza, saudade e chorando sentindo sua falta?

O maior é muito maduro e isso me preocupa.

Ele na maioria das vezes fica calado. Não se pronuncia. Mas observa tudo e sente muito.

Quase nunca pede o pai.

Muitas vezes quando vê o irmão pedindo repete a mesma frase “não tem nenhum pai aqui, não adianta chamar”. Já disse “ele não vai vir, não sente nossa falta” e “ele é ocupado de mais pra lembrar da gente”.

Já o menor ainda não se cansou de pedir todo dia. De chorar todo dia. Cedo ou tarde vai se cansar também. Infelizmente. Ou felizmente. Não sei. 

A diferença é que enquanto vivíamos juntos (não exatamente juntos, tecnicamente…), eu dizia para eles, desde que nasceram, “papai nos ama”, “papai está trabalhando”, “papai logo vai estar conosco”, e realmente acreditava nisso, as palavras tinham verdade. Eles e eu acreditávamos. 

Agora o “papai os ama”, “papai está trabalhando”, “papai logo estará com vocês”, saem desacreditados da minha boca, eles percebem que dilaceram meu coração assim como percebo que dilaceram seus ouvidos e sentimentos.

Antes verdades esperançosas.

Agora mentiras consoladoras. 

Sofro por não conseguir suprir.

Morro a cada lagrima deles.

E a cada indiferença sua.

 

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